quinta-feira, 24 de julho de 2014

Encontro Literário de Gigantes


Esse ano de 2014, definitivamente, não está sendo um ano bom para a literatura mundial e não está sendo bom, sobretudo, para as minhas referências literárias.  Estou perdendo meus faróis na praia escura da vida. Em abril perdi Gabriel García Marquez, agora em Julho já perdi João Ubaldo Ribeiro dia 17, Rubem Alves dia 18 e Ariano Suassuna dia 23. Certamente está acontecendo um encontro literário de gigantes no céu, e os melhores estão sendo convocados

Falo “perdi”, no singular, porque infelizmente nem todos conhecem esses escritores, suas obras e a grandiosidade delas. Ouviram falar e sabem que é importante porque a TV enfatiza a manchete, ou porque tem um filme, ou minissérie, ou algum outro programa, tipo: novela “inspirada na obra”. Mas nunca se encantaram com as poesias, se emocionaram com as histórias, pararam para refletir sobre a crônica ou riram dos contos. O que, sinceramente, é uma pena. Compartilhar dessas experiências e contemplar tanto conhecimento promove uma elevação absurda, tanto intelectual, como espiritual. Me sinto uma felizarda.

Eu não digo que estou órfã, embora me sinta, porque esses que se foram estão no Olimpo dos escritores e os deuses são imortais, assim como as suas obras. Mas, me sinto desamparada, e uma sensação de desalento me toma. É como se eu tivesse perdido meu norte, ao menos, perdi quatro pontos de referências que costumava seguir os passos. Continuarei seguindo, ou pelo menos tentando, embora o caminho deles já tenham tido um ponto. Ainda que de continuação.

Com Gabriel, inquieto, irreverente e polêmico que só ele, aprendi “Que tudo é uma questão de despertar a alma...” Aprendi também que muitas vezes “É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos da razão. O importante é aproveitar o momento e aprender a sua duração, pois a vida está nos olhos de quem sabe ver.” Gabriel era assim: prático e objetivo. Não se vitimizava, nem transferia responsabilidades. Sua coragem e ousadia me ensinaram muito. Um exímio amante da vida. Foi meu mestre.

Já Ubaldo, ah o bom baiano de voz grave, sorriso largo, gargalhada alta e alma tranquila. Nunca teve a pressa como companhia. Era um rubro-negro apaixonado (Vitória nosso amor!) e um boêmio daqueles que dava gosto de ver. Polêmico, não fugia de uma boa celeuma (A Casa dos Budas Ditosos que o diga). João Ubaldo era jornalista, roteirista, professor e encantador de pessoas. Ele era do tipo de gente que deixa a gente melhor, sabe? Nesse mundo fútil, ranzinza e cheio de ranço que nos dá até desgosto de ver, ele servia para mostrar que a vida é simples, bonita e com calma e boa vontade tudo se resolve. Quanto do seu pensamento ora clareou o meu, ora desordenou tudo. Quantos bate-bocas imaginários tivemos e como eles me deixaram mais esperta. Quantas vezes concordei. Quantas e tantas discordei. Mas, sempre o admirei. Sempre quis ser, pelo menos, parecida com ele.
João uma vez disse: “Faço tudo que me dá na cabeça, não quero saber de limitações. Eu não pequei contra a luxúria. Quem peca é aquele que não faz o que foi criado pra fazer.” Ele era um homem de coragem. Aí eu pergunto: Como não amá-lo? Como não admirá-lo?

Quando eu decidi escrever sobre Rubem Alves eu me perguntei: De quem devo falar? Do professor? Do psicanalista? Do teólogo? Do ativista político? Do poeta? Ou do coerente escritor? Fiquei numa dúvida danada e não consegui me decidir. Aí eu decidi falar do homem simples, doce e de mente brilhante que tantas vezes me inspirou. Rubem era do tipo apaziguador. Quem lê suas obras é envolvido por uma paz sem igual e percebe que muitas vezes é só parar pra analisar com calma aquela situação que tudo fica mais simples. É só esperar a cólera se dissipar. Quem conhece Rubem Alves é colocado a se questionar sobre a vida, sobre as ações e sobre os caminhos a seguir. Como ele mesmo disse “toda alma é uma música que se toca.” Agora Rubem se foi, mas sua obra não se cala. Ela permanece viva e cheia de mensagens subliminares a nos passar. Pra mim fica apenas a saudade. Mas ele me ensinou que: “A saudade é nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.” Eu queria voltar no tempo. Parar o tempo e ter o mestre sempre aqui. Hoje posso dizer que “Amo a minha vocação que é escrever. Literatura é uma vocação bela e fraca. O escritor tem o amor, mas não tem o poder.” Obrigada, Rubem Alves!

Ariano Suassuna é mais e maior que o Alto da Compadecida e toda confusão e acusação de plágio que ela envolve. Ariano é poesia, é orgulho. Amo-o e admiro-o por tudo que ele foi e fez. Ele foi o paraibano mais pernambucano que conheci. Mas, ele poderia ser cearense, baiano, sergipano ou qualquer outro “ano” da vida porque ele era nordeste. Carregava nossa bandeira com o afinco dos grandes guerreiros. Com ele aprendi que nunca devia “trocar meu oxente, pelo ok de seu ninguém”. O nordeste é uma região linda, tem um povo guerreiro, sofrido e feliz. Guarda riquezas e grandezas incalculáveis. Abençoado aquele que tem a honra de nascer numa região assim. Foi Ariano que me mostrou isso. Com ele aprendi também que não importa o quão tensa seja a situação, sempre cabe uma pitada de humor e de amor. Esses dois elementos cabem em qualquer lugar. Ariano era doce e ácido ele dizia que Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa.Agora, para nossa tristeza, esse homem bom: “Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre.”


Vejam bem, meus queridos mestres, os quatro, prestem o máximo de atenção, vocês me mostraram que viver é mais suave, mais fácil e mais belo porque vira e mexe Deus envia gente como vocês para aprontar das suas aqui embaixo. Tem tanta obra maravilhosa de vocês espalhadas por aqui que a saudade que já existe, e é enorme, quase não vai apoquentar tanto. Porque vocês são do tipo de gente que nasce, vive e não morre nunca mais.

Verônica

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