Esse ano de 2014, definitivamente, não está sendo um ano bom
para a literatura mundial e não está sendo bom, sobretudo, para as minhas
referências literárias. Estou perdendo
meus faróis na praia escura da vida. Em abril perdi Gabriel García Marquez,
agora em Julho já perdi João Ubaldo Ribeiro dia 17, Rubem Alves dia 18 e Ariano
Suassuna dia 23. Certamente está acontecendo um encontro literário de gigantes
no céu, e os melhores estão sendo convocados
Falo “perdi”, no singular, porque infelizmente nem todos
conhecem esses escritores, suas obras e a grandiosidade delas. Ouviram falar e
sabem que é importante porque a TV enfatiza a manchete, ou porque tem um filme,
ou minissérie, ou algum outro programa, tipo: novela “inspirada na obra”. Mas
nunca se encantaram com as poesias, se emocionaram com as histórias, pararam
para refletir sobre a crônica ou riram dos contos. O que, sinceramente, é uma
pena. Compartilhar dessas experiências e contemplar tanto conhecimento promove
uma elevação absurda, tanto intelectual, como espiritual. Me sinto uma
felizarda.
Eu não digo que estou órfã, embora me sinta, porque esses que
se foram estão no Olimpo dos escritores e os deuses são imortais, assim como
as suas obras. Mas, me sinto desamparada, e uma sensação de desalento me toma.
É como se eu tivesse perdido meu norte, ao menos, perdi quatro pontos de
referências que costumava seguir os passos. Continuarei seguindo, ou pelo menos
tentando, embora o caminho deles já tenham tido um ponto. Ainda que de
continuação.
Com Gabriel, inquieto, irreverente e polêmico que só ele,
aprendi “Que tudo é uma questão de
despertar a alma...” Aprendi também que muitas vezes “É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro
de nós onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos da razão. O
importante é aproveitar o momento e aprender a sua duração, pois a vida está
nos olhos de quem sabe ver.” Gabriel era assim: prático e objetivo. Não se
vitimizava, nem transferia responsabilidades. Sua coragem e ousadia me
ensinaram muito. Um exímio amante da vida. Foi meu mestre.
Já Ubaldo, ah o bom baiano de voz grave, sorriso largo,
gargalhada alta e alma tranquila. Nunca teve a pressa como companhia. Era um
rubro-negro apaixonado (Vitória nosso amor!) e um boêmio daqueles que dava
gosto de ver. Polêmico, não fugia de uma boa celeuma (A Casa dos Budas Ditosos
que o diga). João Ubaldo era jornalista, roteirista, professor e encantador de
pessoas. Ele era do tipo de gente que deixa a gente melhor, sabe? Nesse mundo fútil,
ranzinza e cheio de ranço que nos dá até desgosto de ver, ele servia para
mostrar que a vida é simples, bonita e com calma e boa vontade tudo se resolve.
Quanto do seu pensamento ora clareou o meu, ora desordenou tudo. Quantos
bate-bocas imaginários tivemos e como eles me deixaram mais esperta. Quantas
vezes concordei. Quantas e tantas discordei. Mas, sempre o admirei. Sempre quis
ser, pelo menos, parecida com ele.
João uma vez disse: “Faço
tudo que me dá na cabeça, não quero saber de limitações. Eu não pequei contra a
luxúria. Quem peca é aquele que não faz o que foi criado pra fazer.” Ele era um homem de coragem. Aí eu pergunto:
Como não amá-lo? Como não admirá-lo?
Quando eu decidi escrever sobre Rubem Alves eu me perguntei:
De quem devo falar? Do professor? Do psicanalista? Do teólogo? Do ativista
político? Do poeta? Ou do coerente escritor? Fiquei numa dúvida danada e não
consegui me decidir. Aí eu decidi falar do homem simples, doce e de mente
brilhante que tantas vezes me inspirou. Rubem era do tipo apaziguador. Quem lê
suas obras é envolvido por uma paz sem igual e percebe que muitas vezes é só
parar pra analisar com calma aquela situação que tudo fica mais simples. É só
esperar a cólera se dissipar. Quem conhece Rubem Alves é colocado a se
questionar sobre a vida, sobre as ações e sobre os caminhos a seguir. Como ele
mesmo disse “toda alma é uma música que
se toca.” Agora Rubem se foi, mas sua obra não se cala. Ela permanece viva
e cheia de mensagens subliminares a nos passar. Pra mim fica apenas a saudade.
Mas ele me ensinou que: “A saudade é
nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.” Eu queria voltar no tempo. Parar
o tempo e ter o mestre sempre aqui. Hoje posso dizer que “Amo a minha vocação que é escrever. Literatura é uma vocação bela e
fraca. O escritor tem o amor, mas não tem o poder.” Obrigada, Rubem Alves!
Ariano Suassuna é mais e maior que o Alto da Compadecida e
toda confusão e acusação de plágio que ela envolve. Ariano é poesia, é orgulho.
Amo-o e admiro-o por tudo que ele foi e fez. Ele foi o paraibano mais
pernambucano que conheci. Mas, ele poderia ser cearense, baiano, sergipano ou
qualquer outro “ano” da vida porque ele era nordeste. Carregava nossa bandeira
com o afinco dos grandes guerreiros. Com ele aprendi que nunca devia “trocar meu oxente, pelo ok de seu ninguém”.
O nordeste é uma região linda, tem um povo guerreiro, sofrido e feliz.
Guarda riquezas e grandezas incalculáveis. Abençoado aquele que tem a honra de
nascer numa região assim. Foi Ariano que me mostrou isso. Com ele aprendi
também que não importa o quão tensa seja a situação, sempre cabe uma pitada de
humor e de amor. Esses dois elementos cabem em qualquer lugar. Ariano era doce
e ácido ele dizia que “Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de
romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa.” Agora, para nossa tristeza, esse homem bom: “Cumpriu
sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca
do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala
tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo,
morre.”
Vejam bem, meus queridos mestres, os quatro, prestem o máximo de atenção, vocês me mostraram que viver
é mais suave, mais fácil e mais belo porque vira e mexe Deus envia gente como vocês para
aprontar das suas aqui embaixo. Tem tanta obra maravilhosa de vocês espalhadas por aqui que a saudade que
já existe, e é enorme, quase não vai apoquentar tanto. Porque vocês são do tipo de
gente que nasce, vive e não morre nunca mais.
Verônica