quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Uma Vida Baseada em "Quantas Curtidas?"



(by Cinthya)

O valor que damos às redes sociais despertou em nós algo que enxergo como sendo negativo e perigoso. A super exposição e a necessidade de buscar aprovação alheia, de despertar a inveja nos outros, de provar a nossa “felicidade” não tem limites. Vale tudo para estar na mídia. Vale até mesmo apostar em relações doentes para ter um status de “relacionamento sério”, como se isso fosse um tipo de certificado de qualidade que a gente expõe cheio de orgulho.

E percebo então que o importante não é satisfazer uma necessidade minha, um sonho, um desejo, uma vontade de construir um relacionamento embasado no companheirismo, na afinidade, no respeito, no amor. Não, não é isso. O que importa é que as pessoas vejam que eu tenho alguém, que encontrei um par, que não estou sozinha, que terei companhia para as selfies. Aliás, minhas selfies agora estão completas. Sempre sonhei com selfies completas.

Quantas curtidas? Quantos comentários? Quanta inveja despertarei nas “inimigas”? Afinal, eu tenho alguém. E ele é o “boy magia” do memento, a “coca-cola mais gelada do freezer da humaninde” (como diz meu professor de Antropologia), ele é o “Crush” (ainda dou risada com esse novo termo) que todas sonham ter. Mas ele é meu.

Então, se passamos uma hora juntos, dessa uma hora pelo menos 30 minutos são dedicados às nossas selfies, pois, preciso postar minha felicidade, preciso que as pessoas vejam que estou bem, que minha vida está ótima, que problemas não me visitam mais. Penso mesmo que problema é pros fracos, eu vivo é bem.

A academia não é mais um lugar onde vou praticar exercícios. Não. Isso é coisa do passado. A academia serve para desfilar minhas malhas caras, meu tênis importado. A academia também serve para cultivar minhas formas perfeitas, para idolatrar cada centímetro de massa muscular. E, claro, para fazer selfies. Selfies que vão provar por A+ B que além de ter um crush eu também tenho um corpão, e uma malha cara pra caralho. Sou feliz e vou postar mesmo essa felicidade. Quantas curtidas? Quantos comentários?

A viagem que fizemos foi perfeita. Durou pouco, mas tudo foi perfeito. Viagem perfeita, com o par perfeito, no lugar perfeito. NADA deu errado. E, claro, tiramos muitas selfies para comprovar. Acho legal mostrar que tenho um crush, um corpão e que ainda viajamos juntos numa viagem MARAVILHOSA. E que venham as curtidas e que venham os comentários.

E nem falei do trabalho, do orgulho que tenho em ter um emprego dos sonhos. Coisa que muita gente gostaria, mas poucos conseguem. Então, vou fazer selfies aqui também e vou postar para todos verem que eu, além de tudo o que já mencionei, também tenho um emprego que é muito legal. As inimigas piram com o meu sucesso.

Vou levando as coisas dessa forma e um dia me dou conta de que aquele vazio continua lá, porque fotos, roupas, corpão e viagens não preenchem os anseios da alma. Mesmo as quinhentas curtidas e mais de cem comentários não conseguem fazer aquecer o lugar mais profundo de mim, aquele lugar onde eu vou quando deito a cabeça no travesseiro.

Daí eu percebo que tenho vivido uma vida que talvez nem seja minha. Que tudo o que eu faço, faço para dar satisfação aos outros, para mostrar, para expor, para angariar curtidas e aprovação alheia. Que não curto o momento, que não relaxo, que não me permito ser o que eu sou de fato. Estou o tempo todo procurando provar para os outros que gozo de uma felicidade que, na verdade, não existe. É uma farsa. É uma ilusão. E isso é muito perigoso, isso nos torna pessoas artificiais, que levam uma vida que não é sua, que não se conhecem profundamente, que não criam laços sinceros, que não enxergam nada além de seu próprio umbigo. Nos tornamos individualistas, egoístas e com a falsa ideia de sermos perfeitos, numa vida perfeita.

Quando a realidade bater à nossa porta (e isso vai acontecer) a gente acorda e se deprime, porque nada do que assumimos como nosso, de fato, é nosso. Por que eu preciso tanto que os outros vejam a minha vida? Por que eu preciso tanto dessa exposição? Por que eu preciso das curtidas e comentários? Por que eu tento sempre provar que estou feliz? Por que eu faço de tudo para viver a vida que vá agradar aos outros e não a mim?


Um dia estaremos a sós com nós mesmos e, então, poderemos começar a viver a vida que nos pertence. Sem se preocupar tanto com o que pensam e com o que falam. Acho que felicidade começa assim. Começa quando deixamos de buscar aprovação dos outros e passamos a estreitar nossa relação com a nossa consciência. Assim vamos percebendo que felicidade não tem ligação com o crush, com o corpão, com a malha cara... Felicidade é algo mais sutil. Não tem forma, não tem rosto, não tem preço (e não requer mega exposição, muito menos "curitdas" alheias).

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O Espelho Me Disse

(by Cinthya)

Lara sempre teve sua imagem associada a um belo sorriso, uma boa companhia, profundas gargalhadas e leveza. Creio mesmo que era um dom que ela tinha essa capacidade de dar leveza à tudo. Por muitas vezes, quando algum problema me tirava o sono e criava em meu estômago aquela inquietação, eu procurava a Lara para conversar. E, era incrível, como ela conseguia fazer-me crer que aquele problema imenso não era nada mais que um pequeno contratempo e que muito facilmente poderia ser solucionado.

Ela era o tipo de pessoa que não se apegava à dor, pelo menos não da forma que nós mortais, costumamos no apegar. Lara entendia a dor como algo até mesmo belo. Dizia que “a dor lapida a alma” e por isso era indispensável para nós, seres em evolução. Porém, não era preciso ver a dor como essa coisa monstruosa que nos definha. Não. A dor não precisava ser vista assim.

Reclamar da vida? Nunca ouvi reclamações vindas da Lara. Ela sempre tinha um pensamento que vestia lógica na situação conturbada que vivenciava. Os fatos atuais eram a colheita de um plantio pretérito. E se tinha algo que Lara fazia com muita precaução era justamente esse plantio. Escolhia à dedo as sementes a serem plantadas, pois gostava de harmonia e sorrisos. Lara era incrível!

Aprendi com ela que existem outras infinitas formas de ver uma situação. Aprendi que não sou o centro do universo, que meu problema não é maior do que o seu que me lê nesse momento, por exemplo. Lara me fez entender a responsabilidade que tenho com a minha vida. Que reclamar dos meus problemas não os resolverá, muito pelo contrário, só acentuará e intensificará sua ação sobre mim.

Por muitas vezes me perguntei “será que ela é desse mundo?”, pois sempre achei incrível a forma que ela tinha de encarar a vida. A disponibilidade em ajudar, em escutar, em abraçar, em silenciar, em amar.  Lara ensinava pelo exemplo. Jamais se perdeu naquela coisa de “faça o que eu digo e não faça o que eu faço”. Lara se empenhava em ser reta. Acreditava na vida. Sorria pra vida. E a vida sorria pra ela.

Sinto saudade da Lara. Sinto muita saudade dela. Quando vejo os problemas se agigantando, paro e penso em tudo o que ela me ensinou. Procuro rápido um outro ângulo para enxergar a situação antes que o desespero apareça. Antes de tratar alguém, penso como eu gostaria de ser tratada, lembro da reciprocidade tão peculiar à Lara, lembro da empatia que fazia dela um ser tão iluminado. Lara sempre soube sentir a dor do outro.

Hoje parei em frente ao espelho enquanto fazia minha maquiagem, mirei meus olhos para acertar o traço do lápis e, por um instante, percebi que ela ainda estava lá. Por um instante ainda ví aquele brilho. E ouvi mesmo ela sussurar com aquela voz tão doce “não esqueça que eu sou você. Se não está me vendo, já sabe o que fazer, né? Muda o ângulo!”.


Sorri. Ressurgi. Segui.