segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016


À sombra do medo
(by Cinthya)

Estava no meu trabalho, quando o celular toca e vejo o nome da pessoa que faz o transporte escolar do meu filho. Isso já foi o bastante para que eu sentisse a presença de um frio na barriga. Olhei para o relógio, era meio-dia, atendi a ligação já me sentindo suspensa do chão. Queria ouvir tudo, menos o que eu ouvi: “Cinthya, eu não encontrei o Pedro na escola. Procurei em todos os locais e não o encontrei.”

Eu desliguei o telefone e já não consegui processar muita coisa, levantei para tentar ligar para o meu irmão que seria a pessoa mais próxima geograficamente da escola naquele momento.  Não lembrei o número dele na hora, não lembrei como captar linha para fazer a chamada. Eu já não raciocinava. Consegui. Controlei o choro e a voz, para não assombra-lo e contei sobre a ligação. Antes que eu pedisse, ele já disse: “Estou indo lá agora!”

Lembrei-me de outra mãe de um coleguinha do meu filho que busca o filho na escola. Consegui falar com ela e contei o que estava acontecendo. Ela estava chegando no colégio e já se empenhou em procura-lo também. Eu chorava, e ficava tentando pensar na possibilidade de ser apenas algum mal entendido e que logo se resolveria. Mas o pensamento de “’ele’ pegou meu filho também!” era mais forte.

Nesse tempo, eu ligava para a escola e não atendiam. Como trabalho na zona rural, tive medo de me deslocar pra lá e ficar sem sinal telefônico por um tempo. Daí a pouco a mãe do coleguinha dele me liga pra dizer que o filho dela falou que o Pedro sentiu dor na garganta e depois do recreio não voltou pra sala. Ela já desesperada disse para eu ir pra escola.

Depois que eu ouvi isso, não ouvi mais nada. A parede me segurou e eu senti a maior dor do mundo até então. Por que eu só pensava o pior. Coloquei meu rosto entre as mãos e disse: “Pai, o Senhor quis levar meu filho?”. E eu chorei, meu corpo sacudia.

Nesse tempo, o meu irmão estava já na coordenação da escola, quando foi informado que “a mãe” do Pedro o havia levado. Ele se desesperou mais ainda. E já ia tomar outras medidas quando verificaram direito e viram que a avó o havia buscado.

Meus amigos do trabalho já estavam me conduzindo ao carro para me levar até a cidade, até a escola, e eu tentava expulsar da mente a imagem do meu filho com uma fraca cravada nele, dentro de uma sala abandonada. Foi quando meu celular tocou e era a minha mãe dizendo que a escola havia ligado pra minha casa porque o Pedro não estava passando bem, e minha mãe foi busca-lo, esquecendo-se de avisar ao responsável pelo transporte e a mim.

Em outros tempos, eu teria raciocinado e iria supor que, se ele estava doente e saiu da sala, a escola teria ligado pra minha residência e minha mãe teria ido busca-lo, como já aconteceu outras vezes. Porém, depois da noite de 10 de dezembro de 2015, eu não tenho mais paz em nada relacionado à segurança do meu filho. Eu vejo o carro do transporte escolar sumir na esquina e oro a Deus para que meu filho volte pra mim, vivo, bem e feliz como deve ser toda criança.

Por cerca de 20 minutos, não sei bem quanto tempo durou aquela agonia, eu provei o sabor horrível do medo, da impotência e do desespero.

Não há um dia, nem uma tarde, nem uma noite na minha vida desde aquele fatídico 10/12/2015 que eu não me coloque no lugar da mãe de Beatriz. Não há um único dia que eu não ore por aquela família, que eu não sofra imaginando a dor que é tudo isso.

O que eu vivi foi resolvido em 20 minutos e não passou de informações desencontradas. Infelizmente com a Beatriz não foi assim. O que a família vem passando, se arrasta por 74 dias e as repostas não chegam.

Estamos todos vulneráveis. Estamos todos expostos. Aconteceu com a família do professor Sandro, pode acontecer com a minha, com a sua família. Pode acontecer com o seu vizinho, com seu primo ou tio. Pode acontecer com seu amigo. Pode acontecer com o meu filho, com o seu filho.

A falta de resposta no caso de Beatriz tem um impacto muito grande na sociedade. Eu, pelo menos, vivo assombrada, não tenho paz, vivo numa ansiedade doentia, um medo constante, uma sensação horrorosa de que a qualquer momento meu telefone poderá tocar me trazendo notícias que eu nunca quero receber. E isso não é vida. E isso não é drama e nem exagero meu. O meu filho também tem sete anos, também nasceu em fevereiro de 2008, também estuda numa escola de base religiosa, também é dócil. Se aconteceu com Beatriz, pode acontecer com Pedro ou com qualquer outra criança.

Nós temos um(a) assassino(a) muito perigoso solto e impune na nossa sociedade. E isso, por si só, já tem nos matado aos poucos.

Não é possível que num evento com tantas pessoas, NINGUÉM tenha visto nada. Não é possível isso. Pelo amor de Deus, não tenham medo de denunciar. Veja a responsabilidade que é poder contribuir com a solução desse caso e não o fazer. Não espere acontecer de novo. Denuncie.

Como disse o Prof. Sandro, nada vai trazer Beatriz de volta. Mas as autoridades competentes devem a esses pais a solução desse caso. Devem à sociedade a solução desse caso. Se não foi possível oferecer a segurança preventiva, que não meçam esforços em identificar, encontrar e deter esse assassino(a).

Não esperem acontecer de novo. Pelo amor de Deus, não esperem acontecer de novo.