terça-feira, 6 de setembro de 2011

A Palavra Que Nunca Foi Dita



"Ele sempre foi um menino estranho...

ESTRANHO era assim que eu o definia desde bebê, sempre muito ausente. Quando criança, já crescidinho, tinha problemas na escola, não se enturmava, agredia os outros meninos ou era agredido por eles.

Tão diferente do irmão mais velho, tão popular, tão carismático e tão afetuoso. Eu e a mãe tentamos de tudo, psicólogo, terapia familiar, viagens e mais viagens, programas educativos.... NADA! Absolutamente nada o interessava. Sempre desatento, desligado e desinteressado, seu olhar nos penetrava, é como se ele estivesse mergulhado em um mundo só dele, seu corpo estava presente, mas seu espírito vagava bem longe dali.

Certo dia ele me surpreendeu durante o almoço em família, pediu que eu o levasse a um jogo de futebol, quase não acreditei no que estava ouvindo. Incrédulo concordei na hora, não podia perder essa chance, nem quis levar o irmão mais velho, queria uma tarde só nossa. Quem sabe não surgiria dali uma aproximação entre um pai cansado e um filho ausente. Mas, alegria de pai dura pouco o rapazinho desistiu do passeio antes mesmo dele começar.

Seu interesse era pelos livros, sempre foi pelos livros. Acho que ali ele criava um personagem e encontrava a satisfação no mundo da fantasia. O mundo real nunca lhe interessou.
Numa manhã de outono, estava saindo para o trabalho e meu filho que quase nunca falava me chamou:

- Pai, preciso conversar com o senhor.
- Agora não, meu filho! Tenho uma reunião importante e já estou atrasado. No final da tarde conversaremos.

Ele não insistiu e continuei o meu caminho.

Segui para o meu trabalho e poucas horas depois recebi um telefonema que arrancou o chão sob os meus pés e o ar do meu pulmão. A voz desesperada da minha esposa bradava do outro lado da linha dando a notícia que eu não queria ouvir; o meu filho havia partido para nunca mais voltar.

Um jovem recem saído da adolescência pôs fim na própria vida pois achava que esse mundo não lhe pertencia, de fato, nunca pertencera, mas ele não podia nos privar de tê-lo conosco. Ele não tinha o direito de atentar contra a própria vida.

Mas antes de pensar em qualquer coisa eu me lembrei do meu filho, que há poucas horas estava me pedindo socorro e eu negligenciei o apoio de pai a um filho que tanto precisara de mim. Estava atrasado para um compromisso qualquer. Como pude ser tão insensível e não perceber que se tratava de um pedido desesperado de ajuda? Como pude perder meu filho virando as costas pra ele quando ele estendera a mão clamando por socorro?

Eu puxei o gatilho daquele revólver. Eu pus fim na vida do meu amado filho com a minha omissão de socorro num momento crucial. Eu cessei o sonho e a liberdade de expressão de um ser que provinha de mim. Eu fui o culpado pela morte do meu filho.

Não há mais lágrimas em mim para chorar a dor da perda. Não há culpa que eu não carregue nos ombros. Não há peso que eu não suporte. Não há mais interesse em nada. Quando eu deveria falar eu calei. Quando deveria ficar eu parti. Quando deveria abraçar eu virei as costas. Quando deveria ajudar eu me omiti.

E depois de tantos anos, eu me dei conta de que eu nunca havia dito ao meu filho o quanto o amava. Também nunca ouvi dele um 'eu te amo!' minha vida nunca teve sentido. Como pai sou a criatura mais fracassada da face da terra."

Essa comovente história é baseada em fatos reais. Não perca quem você ama por omissão.

Verônica

2 comentários:

Jussara disse...

Nossa, Vê!!!!! Que texto lindo!! Lindo e emocionante!

O Divã Dellas disse...

Lindo mesmo! Obrigada pelo carinho de sempre, Jussara!

O Divã é seu! Seja muito bem-vinda sempre!!!

Beijos!!

Verônica