segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A Janela De Clarice


(by Cinthya)

Pra muita gente “ser forte” significa segurar a barra em todos os momentos da vida, sem derramar uma lágrima, sem perder as estribeiras por um instante sequer, sem cair, sem envergar, sem sentir os pés mergulhados na lama do fundo do poço. Sem sentir o escuro do quarto trancado, sem abafar o choro no travesseiro, depois que todos vão dormir.

Clarice (essa é Clarice com “C”) sempre foi forte, sempre teve um jogo de cintura incrível para driblar situações inusitadas e indesejadas. Clarice é daquelas meninas que se transformaram em mulheres incríveis, com uma luz capaz de iluminar muitos á sua volta. Ela é magnética e as pessoas sempre a buscam, seja pelo sorriso fácil, seja pela leveza que ela normalmente atribui aos fatos. Ela consegue fazer piada até das coisas mais trágicas. Ela consegue entender até o coração mais duro. Ela escuta as bobagens mais bobas porque sabe que naquele momento alguém precisa escutar. Clarice sempre foi ícone de felicidade e alto astral.

Mas Clarice, apesar de tudo, é humana. E como tal, não é perfeita. Ela é muita coisa, muita coisa mesmo, mas perfeita ela não consegue ser. Ela faz vista grossa para muitas grosserias, apenas para não perder sua harmonia com coisas que não valem a pena. Ela escuta e não revida muitas coisas de pessoas que não a compreendem, apenas para não proferir palavras que possam ferir, sem necessidade. Ela aprendeu a calar quando não tem nada de bom para falar. Clarice aprendeu a manter o equilíbrio quase sempre.

Mas, algumas vezes, a pancada vem dobrada. Algumas vezes as perdas se acumulam e chegam de uma só vez e pegam Clarice nos seus pontos mais vulneráveis. Fazem-na sentir o sabor delicioso da realização, de se ter encontrado o que se queria encontrar, de se sentir plena para depois, de repente, simplesmente partir, acabar, anular, sumir. E Clarice procura o chão e não acha. E Clarice procura o ar e não encontra. E qualquer pessoa sufoca sem oxigênio para respirar.

Clarice não pode se entregar e isso também a machuca, porque existe quem precise dela inteira. Mas ela se tranca no quarto e apaga a luz. E ela chora, chora tão profundamente que sua alma soluça. Ela apaga a luz. Só quer ficar sozinha com a sua dor. Ela só quer entender as coisas, digerir as coisas amargas que lhe serviram. Ela não gosta de fel, mas é o fel que ela tem agora que provar. Clarice não quer conversar porque ninguém consegue ouvi-la sem julgamentos, sem apontar-lhe o dedo. Ninguém consegue entender, porque ninguém se dispõe a esmiuçar seu coração. As pessoas estão ocupadas demais com seus próprios problemas. Clarice se tranca.

Ela não é assim. Ela está assim. E ela sabe que isso é um processo, que daqui a pouco as coisas se encaixam, as dores amenizam, o discernimento chega. Ela sabe que daqui a pouco surge uma luz, surge uma mão amiga. Clarice sempre acreditou em milagres e por isso ela entende que um dia a porta vai se abrir e outras chances lhe serão dadas, outras oportunidades, outras pessoas. E a esperança vai ser tão grande que abafará a dor.

Mas por hora, chorar é o que Clarice tem condições de fazer. As janelas do quarto estão fechadas. Os olhos de Clarice estão fechados. Tudo em Clarice está fechado. Ninguém a entende. Todo mundo espera dela uma perfeição que ela, infelizmente, não tem. Ela tem sensibilidade demais para passar imbatível por processos de perda. Mas ela nunca achou que não venceria essas etapas escuras.

Clarice sabe que do outro lado da porta as pessoas continuam vivendo, acordando, sorrindo, amando, lutando. O mundo continua existindo, a vida pulsando, indiferente da dor que a dilacera. As pessoas existem além disso. Ali, do outro lado da porta. A vida corre seu curso e Clarice sabe disso. Mas é preciso respeitar o momento de dor. E isso não é covardia, isso é coragem, é verdade. Clarice está triste. Ela não é triste.

Daqui a pouco ela levanta, abre a janela e deixa a vida entrar. Mas por hora, ela continua sentada com a sua angustia. Desculpem-na, ela é apenas uma mulher... Ela é apenas humana e está muito longe de ser perfeita. Clarice não é covarde, pois é preciso muita coragem para assumir a dor, sem mascará-la. Clarice é assim, CLARA... Clarice...

2 comentários:

Kelinha disse...

post maravilhoso*

O Divã Dellas disse...

PQP Que texto, Parça!!!

Verônica