(by Cinthya)
É claro que ainda existem mentiras sustentadas por mim. Verdades que nunca deixei vir à tona. É óbvio que sim. Todo mundo tem mentiras inconfessáveis, é natural da relação “consciente x inconsciente” jogar para o porão de nossa mente fatos que, por algum motivo, nos machucam, incomodam, perturbam.
Freud explicou tudo isso com maestria. Ele sustentou a teoria de que nos empenhamos tanto em guardar certas coisas devido a dor que elas nos causam/causaram que em decorrência disso adquirimos traumas e neuras. E é preciso um tratamento longo para que o problema seja resolvido. E a cura, pasmem, está na fala. Colocar pra fora, expelir o inconfessável, destrancar a porta do porão e exorcizar os monstros e demônios do nosso inconsciente. Falar a verdade.
E é essa verdade que tento sustentar na minha vida, muito embora nem sempre obtenha êxito, que isso fique claro. Mas a verdade é a base para uma vida saudável, para relacionamentos saudáveis, amizades verdadeiras e romances concretos. A verdade nos livra de incômodos do tipo ansiedade, medo de ser descoberta a nossa falha (existe coisa mais angustiante do que o medo de que alguém descubra a nossa mentira?).
Eu tinha 18 anos na época, recém-chegada na cidade e com uma amizade agradável e sincera com a Fran (vou chama-la assim). Então a gente estudava no mesmo curso de inglês e sempre estávamos juntas. Certa feita ela começou a paquerar um rapaz, até aí tudo bem. Mas... Eis que num belo dia esse rapaz me encontra no centro da cidade e me dá uma carona. Mais velho que eu e ela, ele me cantou de forma inteligente e envolvente e eu me senti balançada.
Ao descer do carro fui direto pra casa dela e disse que precisávamos ter uma conversa. Respirei fundo e contei. Falei sobre a cantada e disse que não era bem isso o que me incomodava. O que me doía era o fato de eu ter gostado e me sentido atraída por ele, mesmo sabendo que ele era paquera dela. Pronto. Falei. Ela ficou me olhando, calada, os olhos marejados e eu esperando uma reação, enfim.
Daí ela disse: “Eu nunca tive uma amiga assim”, no que eu respondi: “Que traiu a sua confiança?” e ela: “Que me falou a verdade.” E começou a chorar abraçada comigo. Ela então disse que eu tinha carta branca para ficar com ele, até porque na noite anterior ele a tinha esnobado. Mas aquela situação mexeu tanto comigo que ao mesmo tempo em que confessei meu crime, me livrei dele, ou seja, ao falar sobre o meu interesse esse interesse se desfez e nossa amizade continuou firme. Soubemos driblar esse episódio.
Para o meu filho eu sempre oriento falar a verdade, por mais chocante que ela possa ser. Lembro, como hoje, que aos 21 anos eu cheguei em casa pela manhã, toda empolgada, sorriso engolindo as orelhas, e ao olhar nos olhos da minha mãe eu disse: “Mãe, já era. Não sou mais virgem!”. Ela quase caiu pra trás, mas eu me senti aliviada ao contar a verdade. Por mais que ela tenha brigado, por mais que eu tenha passado dias e mais dias ouvindo sermão, eu estava aliviada, transparente, limpa. Não tinha a angustia e o medo de a qualquer momento ela descobrir. Eu já havia contado. E pus uma roupa vermelha e sai, achando que agora sim “Eu Sou Mulher”.
Então é isso: eu falo logo e enfrento logo o que tiver que enfrentar porque não gosto de suspense. A verdade cai bem e nos fortalece. Um dia hei de abrir a porta do meu porão e expulsar de lá todos os monstros que ainda guardo trancafiados, amordaçados dentro de mim.
3 comentários:
Parabéns pela coragem pra expulsar seus monstros!
O problema é quando colocar o monstro pra fora significar perdas significativas!
Então temos que submeter as dores à velha balança das tomadas de decisões... O que dói mais... amansar o monstro a cada dia ou a dor do estrago causado no momento em que ele for solto???
Já soltei monstros, mas há monstros presos!
Rodrigo
Muito bom. Confesso que tenho passado por algumas coisas do tipo e as vezes dizer as verdades, as minhas verdades do que penso e sou, acabam realmente magoando algumas pessooas. Outras agiram como tua amiga. Muito bem gostei do texto! parabéns!! :0)
Há monstrinhos em minute sei que não sairão nunca...mas eles estão dormindo: ) !
Parabéns pela atitude!
Beijos !!!
Selma.
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