sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Naquela Rua Mora Uma Fada...


(by Cinthya)

A minha infância foi uma delícia! A nossa rua, naquela cidade pequena, era recheada de outras crianças que compartilhavam comigo as brincadeiras tantas. Apenas a escola, as refeições e a hora de dormir conseguiam nos tirar da rua e de nossa incansável maratona de jogos, corridas, estórias. Éramos meninos e meninas na rivalidade peculiar àquela fase. Um não podia interferir na brincadeira do outro.

As tardes eram deliciosas. Lembro do cheiro do café, da broa, do 'filhóis' (ninguém vai saber o que é isso!) que minha mãe preparava pra gente. Me recordo também com clareza da hora em que o sol ia embora e que meu pai chegava do trabalho, cansado, mas sempre pronto para nos abraçar. Ele era o dono da família.

Tinha, porém, uma pessoa naquela rua que fazia toda diferença. Uma mulher com alma de moleca. Uma mulher encantadora que tinha uma casa que servia de abrigo para grande parte das nossas brincadeiras. Ela se juntava a nós e a diferença de idade se desfazia nesse instante. Brincávamos de igual para igual. Se havia algum fato mais sério para resolvermos com nossos pais, ela era mediadora, era a nossa advogada (e era uma excelente advogada!). Lembro de um dia em que o meu dente estava molinho, prestes a cair e eu estava sozinha em casa. Corri pra casa dela e ao vê-la me joguei em seus braços aos prantos pedindo que ela me protegesse. 

Ela organizava uns eventos na sua varanda, onde todas as crianças apresentavam algum número de dança, mágica ou alguma outra coisa que encantasse o público. Sim, isso mesmo: tínhamos platéia! Numa dessas apresentações eu fui She-ra (morram de inveja!)!. Só não sei de onde saiu essa She-ra com sobrecarga de melanina, mas tudo bem! O importante é que com ou sem melanina, ganhei o primeiro lugar no concurso.

O tempo passou, a gente cresceu. Fui embora da cidade. Passamos muitos anos sem nos ver. Nesse intervalo eu escrevi um livro e nesse livro tinha uns versos que fiz para ela. Na época da publicação eu lhe enviei um exemplar. Mas não tive notícias ou retorno.

Há uns seis anos voltei na cidade e fui até a casa dela. O cheiro da saudade arrepiou minha alma, atiçou minha emoção. Avistei a casa e entrei. Pedi que a chamassem, mas não me identifiquei. Ela me olhou demoradamente até que me reconheceu. Choramos de emoção. O rosto dela já não era mais o mesmo. Era como se as rugas tentassem em vão esconder a alegria que iluminava aquele semblante tão amado. O seu corpo já apontava o peso dos anos e eu já não era mais a criança levada que fora outrora. Nos abraçamos demoradamente e deixamos aquele cheiro de saudade invadir nosso íntimo. Ela segurava meu rosto com as duas mãos e me olhava com os olhos mergulhados. E eu senti uma vontade tão grande voltar no tempo e vê-la revigorada.

Passada a emoção do reencontro, sentamos. Em nossa conversa eu soube que ela havia tido uma crise depressiva e que foi nessa época que o meu livro chegou às suas mãos. Ela me disse que ao ler os versos caiu num choro tão sentido e que aquele choro lavou sua alma, fez ela entender que a vida tinha muitas coisas boas, lembranças boas e que as crinças dela cresceram, partiram, mas ela permanecia nos nossos corações. Aquilo a ajudou a se reerguer.

Era o mínimo que eu poderia fazer por alguém que fez dos meus primeiros anos um conto de fadas.

Casa de Eutima

Na casa de Eutima eu vivia
Os sonhos mais doces da minha infância.
Era um labirinto de alegria,
Um castelo cheio de esperança.

Lá eu passava quase todo o dia.
Não só eu, mas eu e tantas crinças,
Que Dona Eutima pacientemente acolhia,
Com muita festa e comilança.

Uma reforma por ano ela fazia,
E esperávamos com implicância,
Todas as horas, dias após dia,
Para saber qual seria a mudança.

Virava cozinha o quarto onde ela dormia,
E sala, o quarto das crianças.
Mas a varanda permanecia,
O palco das nossas festanças.

Ah, Dona Eutima, que alegria!
Foi um sonho ser criança.
E a senhora quem diria,
Foi a Fada da Minha Infância.

17 comentários:

Van disse...

OOOO Ci ! Hoje eu quase chorei relembrando a tua infância...me deu saudade da minha !

Amo aqui e amo vocês ! Grande Beijo.

Anônimo disse...

Que homenagem linda você fez a uma pessoa que fez parte da sua infância, foi muito comovente, fiquei emocionada....

Beijos

Verônica Arraes disse...

Eu lembro bem dessa poesia, do seu primeiro exemplar... maravilhosooo!!! vc como sempre arrasa.. Te mo muito!!!

Anônimo disse...

Oi...obrigada pela visita deliciosa...

Eu tô aqui com os olhos vazando....de ler esse texto....me emocionei....

Os detalhes falam por si....eu estive em cada lugar...

deixo meu melhor abraço!


Zil

Anônimo disse...

Que lindo Cinthya !!
A nossa infância é responsável por tudo que somos hoje. É nela que criamos os alicerces para sermos adultos, fortes e seguros (embora muitas vezes não sejamos) Mas enfim, é a alegria de poder reaver nossa infância e as caras lembranças que fazem essa vida mais doce.

Beijo pra você e Dona Eutima !

ju disse...

Lindo post. Adorei

Ursula disse...

Que história gostosa!!! Eu gosto muito de relembrar minha infancia, pois me traz sensações muito boas.
Beijos
ursulaferraricoach.wordpress.com

Winny Trindade disse...

Me fez sentir nostalgia da época em que era criança...

Abraço meu.

Valéria lima disse...

Que lindas lembranças. Há sempre dias em que precisamos abrir nossos guardados e reviver.

BeijooO*

RafaCruz disse...

Também lembro de infância de vez em quando e isso me causa uma certa tristeza por saber que tudo aquilo acabou, mas também me causa alegria por saber que tive uma infância tão boa enquanto algumas pessoas sofrem muito quando crianças.
Achei o blog de vocês pesquisando na internet, li e achei demais, vocês são excelentes.
Se quiserem, deem uma olhada no meu blog, estamos fazendo uma semana falando das sete maravilhas do mundo.
Bjs,

Rafa
rafadeoliveira-tudosobrequalquercoisa.blogspot.com

Borboleta no Casulo disse...

Que época gostosa é a nossa infância!!
Sinto muitas saudades da minha!!!
Bjs

Anônimo disse...

Nossa, que coisa linda!

Não me encabulo em dizer que lágriams rolaram aqui, pude sentir o sentimento vivenciado por vocês no reencontro, você deu forma perfeita a eles uma narrativa que nos transporta para cena do encontro, foi como se eu assistisse o abraço de vocês e pudesse partilhar daquela emoção. Parabéns!

Sua postagem no Blog da Zil, me fez clicar no perfil no Blogger, a descrição de vocês duas lá me trouxe até aqui, eu sabia que encontraia coisa boa,por fim este texto me fez seguir e incluír seu blog em meu blog, em minha lista. Tornei-me leitora de vocês.

Beijos!

San disse...

adorei o texto, cheguei agora retomo minha rotina e to roubando uma ideia de voces para um post bjs

Patrícia Vicensotti disse...

Meninas,que charme de lugar...
Texto lindoooo,com cheirinho bom da infância que cresce,mas que não se perde da gente.Adoreiii.

Voltarei mais vezes :)
Beijos com carinho!

Amélie Poulain disse...

Neste blog AQUI moram DUAS fadas...

Obrigada por todo o carinho, por todas as palavras, por todo o apoio, por tudo de lindo que vocês fizeram por mim, mesmo sem me conhecer!

Se hoje estou de volta ao bloguito, muito se deve ao carinho de vcs e das demais lindas que me ajudaram por lá!!!

Infinitamente obrigada!!!!!!!!

Beijocas!!

Vanessa Souza disse...

Bonito.

Eu não acredito que todas as crianças foram muito felizes.

http://vemcaluisa.blogspot.com

Unknown disse...

Oi cinthya. Que saudades...
Obrigado por você prestar essa bela homenagem a minha mãe e sua fada madrinha. Verdadeiramente a nossa infância foi tudo isso. Velhos tempos e belos dias. Sucesso!