Não vou sair do tema rotina. Mas vou abordá-la vista de outro prisma. Quero sintetizar a vida robótica que muitos de nós levamos e nem nos damos conta disso. Na verdade a gente sabe, mas já se acostumou. Quero hoje compartilhar com vocês um excelente texto da Mariana Colasanti.
Boa leitura, boa reflexão e ótimo final de semana!
Verônica
Boa leitura, boa reflexão e ótimo final de semana!
Verônica
Eu sei, mas não devia
Marina Colasanti
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
7 comentários:
Pois é...nos acostumamos mesmo. Esse texto está ótimo. E só não vou me aprofundar mais nos costumes nossos para não "polemizar". Não é VEVEL?
hehehehehe
Acho que vcs não gostaram muito do presente...eu entendo..presente é assim mesmo...nem sempre a gente acerta....mas acho que valeu a tentativa...quem sabe da próxima....não é meninas?????
bjo grande...boa sorte sempre....
meu carinho!
Zil
Ótimo texto. A gente se acostuma mesmo a pensar que a vida será mais fácil se estivermos acostumados com tudo isso aí. Ou: a gente se acostuma com a ilusão.
Boa semana.
Isolda.
Como quase ninguém postou, então vou polemizar pouquinho.
"Agente se acostuma" a ser brasileiro do modo "padrão" de ser brasileiro. Sempre procurando levar vantagem em tudo sobre o outro, acomodado em assistir sempre as porcarias que a TV líder de audiência insiste em exibir, a reclamar do governo e nunca fazer para mudar isso. Aliás a única atitude que poderia tomar contra isso é desperdiçada quando votamos em um dos DOIS candidatos de maior poderio econômico e ignorando os demais mais modestos que aparecem sempre com filosofia de mudança nas eleições nas 3 esferas.
Agente acostuma em ser o que somos. Brasileiros, acomodados e que esperamos um "super-homem" vir do céu e resolver nossos problemas.
Zil, como assim não gostamos do presente? Claro que gostamos, aliás, adoramos!! Fui em seu blog agradecer. Pedi pra vc mandar a imagem pra gente postar aqui no Divã. Até te pedi seu email.
Kiko, eu senti que vc estava com os dedos coçando. Doido pra descer a lenha. E não se conteve, né? rsrs
Concordo em parte com vc, desde os tempos de Cabral que é assim, as pessoas se acostumam e por que todos fazem a gente faz também... E ficamos envoltos nesse ciclo vicioso. Eu ainda acredito que tudo pode melhorar... Se houvesse a conscientização geral, parece utopia, mas não é.
Beijos, pessoas!
Verônica
Zil... Eu tinha deixado um agradecimento tão sincero lá no seu blog... Achei tão lindo e tão sublime o seu presente. Só que no dia seguite teve aquela bendita manutenção do Blogger... Isso pode explicar. mas nós ficamos imensamente felizes, foi um dos presentes mais lindo que recebemos. Muito obrigada. A gente agradeceu... Mas o Blogger não colabora... Beijos. Cinthya
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